segunda-feira, 21 de setembro de 2009

"Eu estava lá..." 30 Anos do Congresso da Virada

Carmelita Yazbeck fala sobre o Congresso da Virada A Assistente Social e professora universitária fala sobre os significados do Congresso de 1979
Ação: Qual o significado do chamado Congresso da Virada na sua opinião?
Carmelita: É um marco no desenvolvimento histórico, que não está desconectado do processo histórico maior, e expressa uma tomada de posição muito clara do ponto de vista dos compromissos políticos e da direção social da profissão.
Na época, viviamos momentos de grande movimentação política na sociedade brasileira, com movimentos sociais e sindicais atuantes, surge o PT, é também o momento das greves no ABC Paulista. Momento de grandes questio-namentos sobre a ordem brasileira e de busca de tomada de posições politicas. E o Serviço Social assume claramente no III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais uma posição em termos de compromisso com os trabalhadores deste país. Basta dizer que o presidente de honra era o Ministro do Trabalho, Murilo Macedo, e ele foi destituído e substituído pelo operário Luiz Inácio Lula da Silva, figura emblemática e representativa da luta por melhores condições de vida e de trabalho.
Mas a questão é mais profunda, porque os questionamentos sobre a direção politica da profissão, seu envolvimento com a população, vem de ameados dos anos 1960, do movimento de reconceituação, quando o serviço social da América Latina percebe que é preciso construir um projeto de profissão comprometido com as necessidades concretas dos homens da América Latina e não mais importar modelos de atuação.
No Brasil, este movimento encontrou muitas dificuldades porque enfrentávamos a vigência de uma ditadura militar, mas no Cone Sul ele tem um caráter mais político e de questionamento sobre o significado da profissão e sua direção social. E no bojo deste movimento veio a renovação dos processos de formação, por exemplo. Começamos a discutir em 1979 o processo de formação do assistente social brasileiro que culminará em 1982 com a nova matriz curricular, que depois será a base das atuais diretrizes curriculares.
Enfim, havia muita consciência política das desigualdades e injustiças no país. Estes atos se configuraram como um marco deste processo que ainda está em construção do projeto ético-político societário. Diria que os anos 1990 são os anos da maior maturação deste projeto, que se expressa em uma série de documentos e pela produção teórico-metodológica da profissão.
Ação: O que muda nos fundamentos da profissão?
Carmelita: Naquele contexto, final dos anos 1970 e início dos 1980, o Serviço Social brasileiro se alinha à teoria social crítica marxista. Assume o marxismo como um referencial. Em um primeiro momento um pouco longe do próprio Marx e por caminhos enviesados. Vamos conhecer Marx mesmo graças à Marilda Iamamoto e o José Paulo Netto. Em 1982 Marilda publica sua dissertação de mestrado, Relações Sociais e Serviço Social no Brasil.
Em 1979, ano do III CBAS, acho que não tínhamos grande clareza e domínio da crítica social do Marx, mas apontávamos esta teoria como caminho, e ele vai se pavimentando com a produção intelectual de alguns autores em um processo de avanço de nossa compreensão da realidade.
A grande mudança do ponto de vista dos referências teórico-meto-dológicas da profissão vai ocorrer com a ruptura da profissão com os referenciais positivistas, funcionalistas, estruturalistas, que eram os que orientavam a formação profissional e que tinham perspectiva de enquadramento do sujeito, usuário de nossos serviços. Esta matriz é questionada e começa a se buscar aquilo que os assistentes sociais chamam de projeto de ruptura com novos apoios teórico-metodológicos.
Um processo de apropriação do método marxiano: trabalhar com o movimento, com a totalidade, com a contradição. Avançamos para uma postura de transformação das relações, com as relações em movimento como parte de uma totalidade. Uma categoria importante que Iamamoto traz é a de reprodução social, passamos a entender o Serviço Social inserido em um processo maior de produção e reprodução da sociedade capitalista, não apenas na esfera da economia, mas também em valores, ideologia e que a profissão entra e participa destes processos. Esta é uma mudança profunda. As desigualdades sociais como questão constitutiva, estrutural, do capitalismo.
Ação: Hoje, em todas as áreas do pensamento, há a proliferação das chamadas teorias pós-modernas. Como a senhora tem visto este processo na academia?
Carmelita: Ultrapassando a PUC porque temos mantido uma fidelidade à matriz crítica – porque não trabalhamos apenas com o pensamento de Marx mas com toda a tradição como Gramsci, Heller, Lukács, autores mais contemporâneos – mas observamos, inclusive em cursos do Serviço Social, a influência do pós-modernismo. Isto é forte no Brasil, mas na profissão há resistência e crítica a este pensamento.
Reconhecemos que muitas vezes este pensamento lembra dimensões que talvez tenhamos trabalhado pouco no campo da tradição marxista, como a do sujeito e da subjetividade, que a teoria marxista não deixa de lado, mas que tivemos acúmulo teórico não muito grande.
E neste sentido, a pós-modernidade toma estas temáticas como se fossem só delas. Assim, Zé Paulo diz que há ameaça ao projeto ético-político profissional à medida que avançam estes pensamentos e ressurgem valorizações do micro, efémero e fugaz. Quando, na verdade, as abordagens do cotidiano não estão fora da abordagem marxista. Quando fiz meu doutorado busquei autores marxistas que lidavam com essa dimensão mais subjetiva da experiência humana porque na hora que o assistente social está no CRAS, ele está lidando com a pessoa em sua totalidade, com suas emoções, suas relações, com a opressão econômica que ela vive. O ser humano é sobretudo classe, mas tem sentimento, gênero, etnia. A busca por juntar as coisas alcança a tradição marxista.
O conservadorismo ressurge com estas teorias pós-modernas, profundamente individualistas, que buscam a felicidade descolada da humanidade. E é um canto de sereia, que seduz muitos profissionais que vão em busca destes autores que estão lidando com aspectos que tocam estas pessoas e aí acho que é um equivoco achar que a visão marxista ignora o homem em sua totalidade. O marxismo tem uma concepção de individuo. E há bons autores como Agnes Heller que se voltam para entender o ser social em seu cotidiano, em suas relações.
Para mim não há incompatibilidade entre a leitura totalizante da realidade e essa compreensão do homem em seu cotidiano, vida, relações comunitárias, que estabelece com seus companheiros de trabalho.
Não se pode fragmentar tudo como nas teorias pós-modernas. Elas pinçam sem fazer a relação com a totalidade.
Ação: Quais os desafios para transformar este projeto, que tem um momento emblemático no Congresso da Virada, para o cotidiano dos assistentes sociais?
Carmelita: Estamos vivendo alguns processos que nos desafiam na passagem da teoria para a prática. Eu trabalho com a disciplina tendências teóricas, e a teoria deve ser entendida como farol, que mostra o horizonte da sociedade que queremos construir. Não é algo de aplicabilidade imediata. Mas tenho de construir mediações para esta sociedade. Uma grande mediação é o direito. O direito social das pessoas. Então, se utilizo uma mediação como o direito social, não perco horizonte para realizar direitos apenas naquela situação concreta, mas para uma outra sociedade que não se esgota na sociedade capitalista e que tem horizonte de respeito às pessoas, a sua dignidade. Mas acho que é um processo difícil porque na prática o profissional tem uma fila de 30 pessoas em um plantão social, por exemplo, pessoas em situação de desespero. Não tem conversa de maior profundidade e orientação. Você é pressionado pela realidade a dar respostas muito imediatas, acessar benefícios, mas o profissional não pode perder este horizonte maior. Neste sentido, acho que deveríamos avançar em quais as mediações o assistente social trabalha para construir uma nova ordem societária. Nosso código é claríssimo quando diz que nesta sociedade não haverá emancipação humana plena. É uma outra ordem, mas tem de construir mediações concretas. Estou lá com aquela família, naquele bairro e em cada situação concreta devo construir estas pontes e passagens para um horizonte que não posso perder de vista.
Que as Associações de representação da categoria –SINDICATOS, ASSOCIAÇÕES, CRAS - se reativem e se unam em torno das questões básicas da profissão e que osAssistentes Sociais se engagem de forma consciente nessas entidadesIII CBAS - 1979.

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